A Confraria dos Nabos

A Confraria dos Nabos

– Etelvina Sousa Ferreira

A chuva caía miudinha naquele dia de primavera. Do rigor do inverno já apenas restava uma lembrança e a luz do dia crescia a olhos vistos, trazendo o calor e a esperança aos homens e não só, como a seguir veremos.

Numa aldeia do Interior um agricultor contemplava a sua pequena horta à luz do amanhecer e de tanto amar as suas plantas acreditava que elas também poderiam ter alma. Certo é que um dia em que o sono tardava a aparecer viera sentar-se no banco do alpendre e parecera-lhe escutar uma conversa entre elas.

O nabo, Nabuco como ele o nomeara, cheio de energia virara-se para o brócolo, Fígaro, um ser muito curioso, enquanto mesmo ali ao lado o rabanete, Rodolfo, sonhava olhando a lua pensativo. Os três eram amigos de longa data, podemos até dizer da mesma família, compartilhando um solo fértil assim como uma longa amizade, que se entrelaçava e crescia juntamente com as suas raízes.

– Gostava muito de organizar um festival aqui na horta. Até já pensei dar-lhe nome: Festival das Colheitas. Que achais? – disse Nabuco ao mesmo tempo que se interrogava, a medo, sobre a aceitação da sua proposta.

– Acho bem, acho bem. – Saltava de alegria, Fígaro, antevendo a possibilidade de escrutinar a vida das outras hortícolas – Sim… Que bela ideia! Vamos mostrar a todos como somos incríveis e ensinar-lhes o quanto podem melhorar.

Rodolfo continuava mergulhado no seu sonho acordado, mas ao ouvir a palavra “incríveis” algo se agitou dentro dele, saltando de imediato para a realidade.

– Sim…Siiiim, uma festa seria mágico! Podíamos ter música, dança e até comida deliciosa para oferecer aos nossos convidados.

Começaram desde logo a planear a festa. Com tantas plantas hortícolas a organização teria de ser bem pensada.

Nabuco responsabilizou-se pelas plantações a que o agricultor deu uma ajuda, enquanto Fígaro, juntamente com Mariquinhas, a mulher do agricultor, experimentava receitas novas e deliciosas. Rodolfo ficou encarregado das decorações, mester que muito lhe agradou, porque com as suas folhas verdes, brilhantes a contrastar com o seu coração vermelhinho fazia “bouquets” de encantar.

Rodolfo fez tanto sucesso que uns parentes de terras longínquas, constava-se que da China, até vieram dar uma ajuda trazendo corações de outras cores para alegrar os ramalhetes.

À medida que se aproximava o grande dia a horta resplandecia de expectativa. O aroma das diferentes plantas enchia o ar, mais intenso a cada dia que passava e os convidados já mal podiam esperar.

Finalmente chegou o tão almejado dia do Festival das Colheitas. Assim que o dia foi clareando chegaram os convidados em grande alvoroço e a alegria de novos e velhos era contagiante.

A horta estava radiante. Os nabos em forma de espiral e outros mais arredondados, os brócolos coloridos assim como os rabanetes decorativos davam àquele evento uma grandiosidade sem par. A música ecoava pelas folhas ao sabor da brisa enquanto os vegetais celebravam a colheita abundante.

  1. Mariquinhas surgiu à porta do casebre transportando uma fumegante panela de ferro. E que cheirinho, Deus meu!

Quando a tampa foi retirada os convidados saltaram de alegria. O cheiro a caldo de nabos era delicioso| Todos se atropelavam de malga na mão, tentando, cada qual, ser o primeiro a ser servido. A acompanhar um naco de broa que o milho e o trigo se tinham oferecido para confeccionar.

Era uma alegria!

Ano após ano a Festa da Colheita ganhou tradição passando a festejar-se no dia de S. Miguel, o protetor das colheitas e do gado, assim decidiram todas as plantas em plenário. Houve até quem sugerisse que se passasse a chamar “Festa do Nabo”, mas a sugestão não foi avante para não se ferirem suscetibilidades.

Mais tarde os nabos organizaram-se numa Confraria, em Gondomar, que passou a enaltecer as propriedades deste tubérculo rei, tão afamado.

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