A Litro e Meio de Azeite

Eugénio Araújo, Voluntário no Banco local de voluntariado de Gondomar

A Litro e meio de azeite

Certamente que conhecem muitos tipos de azeite e as mais variadas embalagens do mesmo: garrafas 0,25cl, de 1/2 litro, a mais usual de 0,75cl e muitas até têm “cá uma lata”! No entanto poucas conhecerão com litro e meio; mas eu sou uma garrafa de litro de meio, em plástico, que já albergou água de nascente.

Sou uma garrafa gordinha, mas é uma gordura saudável – e afinal até tenho uma história para contar.

Sabem, estava muito sossegada dentro de um armário quando, de repente, os meus donos pegaram em mim (e no líquido cor-de-ouro que continha) e me enfiaram num saco de plástico “azul”. Quando dei por mim estava numa junta de freguesia cá da terra, bem juntinha ao loirinho vinagre, ao doce pacote de açúcar e da elegante esparguete…, mas a viagem não ficou por aqui, logo mais, fui parar ao centro logístico, montado no Goldparque de Gondomar, onde me ajuntei a umas jeitosas de 0,75cl, todas giraças, com rótulos e prazo de validade; algumas eram bem quadradas e rijas como vidro, contudo quero-vos dizer que eu não sou velha, nem sou inferior. As mais elegantes foram logo bem embaladas e despachadas juntas numas caixas de cartão para a viagem, e eu por aqui fiquei, sozinha, colocada e abandonada num canto.

Passaram dias, semanas e quase que me saltou a tampa. Contudo tornei-me muito observadora.

Vi, ouvi e observei muitas coisas (eles nem se apercebiam que eu estava à escuta) – certo dia um voluntário comentou acerca de um donativo: “Não traz muita coisa, uma lata de atum, feijão, massa, mas vem cheio de amor… traz um desenho feito por uma criança a desejar o fim da guerra e… oh coisa amorosa traz uns pequenos ursitos de peluche. Como o coração do nosso povo é fantástico!”

É verdade que assisti a dias de grande azáfama: eram veículos a entrar cheios de donativos, muitos funcionários da edilidade, pessoal da Associação de imigrantes mas, também, muitos voluntários – novos e velhos – sempre correndo de um lado para outro e olha que alguns eram até bem giraços!

Os dias iam decorrendo e quase pensei que fazia parte da mobília cá no meu cantinho. Por vezes apareciam os tais jeitosos e jeitosas que enchiam as caixas de cartão e olhavam para mim, coçavam na cabeça, olhavam e tornavam a olhar… a realidade é que eu não tinha as normas convencionadas e lá continuava eu, no meu canto, ninguém me queria pôr na caixa.

Chegou a semana final, era preciso desmontar toda a logística… ouvi que iam partir os dois últimos camiões TIR (a juntar aos nove que já tinham ido para a Ucrânia). “É agora!”, pensei cá para mim… Não é que um jeitoso, de cabelo branco, olhou para mim, pega-me e pergunta ao responsável o que fazer comigo? Como era tempo de limpar o local, o veredicto foi: “Sr.Eugénio, não se pode arriscar!” – já não podia fazer a viagem porque não era “virgem”, já tinha sido recipiente de outro produto, contudo dentro de mim estava um “virgem extra especial caseiro”, pelo que fiquei condenada a ir para o Oleão (porque “Azeitão” ficava fora de caminho).

Mas algo inesperado aconteceu: em vez de me levar para o Oleão (como estava combinado) levou-me para sua casa. Dizia ter-se apaixonado por mim… Senti-me muito envergonhada porque ele é um homem bem-casado com uma bonita mulher e até já é avô (portanto já com idade para ter juízo). Levou-me para o seu escritório, colocou-me no tampo da sua secretária, olhou-me fixamente e tirou-me uma foto. E disse-me: “Tu tens uma história, tu representas algo importante! Tu representas a alma característica de um povo que se dá em amor, com grande altruísmo. Vou fazer de ti uma estrela; muita gente vai olhar para ti e vai ver a tua beleza interior!” Oh… Confesso que fiquei de gargalo aberto!

Nessa altura contei-lhe a história da minha vida, a minha origem, de onde vim, como vivia na casa de uma família de parcos recursos, colocada num armário bem escuro, sozinha; ouvi que um dia veria a luz do dia numa ocasião especial, para regar umas belas batatas com bacalhau.

Mas, entretanto surgiu um apelo à população cá da terra e lá fui arrancada abruptamente daquele armário. Fui colocada num saco de plástico com a promessa de uma grande viagem mas, afinal, nada! Acabei por ficar aqui, para contar a história que represento, a grande solidariedade, o altruísmo, o amor franco. Eu represento a alma característica e as qualidades do povo cá da terra.

Esta é a verdade que, afinal, é como o azeite – vem sempre ao de cima. Esta é a verdade do povo do Concelho de Gondomar, (Coração de ouro) povo solidário, cheio de amor ao próximo; afinal isto; é ser 100% português.

Mas a historia não termina aqui; Certo dia levou-me para a cozinha, tirou-me a tampa, provou-me com as suas papilas gustativas e esvaziou-me e o resultado do romance com este voluntario, foi dar á dar “à luz” duas belas meninas de 0,75 cl, redondinhas para serem mais fáceis de manusear, as quais foram dadas para adoção a uma família ucraniana, que escolheu Gondomar para fugir à agrura da guerra – assim receberam, uma vez mais, o aroma e o sabor do povo Português.

Certo que não fui à Ucrânia, mas a Ucrânia veio até mim. Assim pude cumprir o desejo da família bem humilde que me deu…

Afinal eu sou muito importante, não só por aquilo que sou, mas por aquilo que represento:

PORTUGAL

Bem dizia o jeitoso – “Vou fazer de ti uma estrela, minha Litro e meio!”

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