Animais de Companhia
Margarida Rodrigues
De um momento de solidariedade, veio a nostalgia e as recordações. Vêm à memória os animais que passaram pela minha vida: quatro gatos e três cães.
Tinha ido viver para aquela casa com dois anos. Era uma casa geminada, de dois pisos, com frente para a rua, jardim lateral e quintal nas traseiras. O jardim era feito com vários canteiros, sempre com uma variedade enorme de flores. O muro da frente era quase coberto por rosas de Santa Teresinha (pequeninas, de cor rosa muito suave). O muro lateral era coberto por rosas brancas e outras vermelhas que pareciam de veludo. De toda esta envolvência, das mais variadas flores (goivos, malmequeres, margaridas, dálias, gladíolos, miosótis, rosas, lírios, açucenas jarros, entre muitos outros), exalava um cheiro muito agradável, que ainda hoje sou capaz de sentir.
Era uma casa bonita, sempre cheia de vasos quer no exterior quer no interior.
Certo dia, apareceu lá em casa um cão. De porte pequeno, branco e com uma orelha preta. “Dundum” era o seu nome. Fiquei muito contente com a sua chegada, mas rapidamente percebi que não era do agrado da minha mãe. Podia estragar o jardim e, por isso, passou a viver no quintal, preso por uma longa corrente.
Entretanto, foi descoberto um grande problema com o Dundum. Não sabia andar nos paralelos da rua. Várias vezes, durante a semana, eu saía com o meu pai e lá ia o Dundum connosco, mas tinha que fazer grande parte do percurso ao colo, pois não havia maneira de andar. Dizia a minha mãe zangada:
– És pior que elas (eramos três raparigas)!
Dois anos mais tarde morre o Dundum e o problema ficou resolvido.
Passado pouco tempo, aparece o meu pai com um lindo gatinho: o “Ruca”. Foi amor à primeira vista e, também, um novo problema, tendo em conta a minha bronquite. Claro que, para mim, o Ruca era um boneco que fazia parte das minhas brincadeiras diárias. Havia lá em casa um quarto destinado à costura onde eu tinha os meus brinquedos e a cama do gatinho. O Ruca era um grande mimalho e muito meigo. A regra, imposta pela minha mãe, foi que o gato não podia dormir durante a noite dentro de casa.
Todos os dias, por volta das 6h30m, a padeira ia lá a casa deixar o pão e o gato entrava e ia ter comigo à cama, seguido da minha mãe com duas bolachas torradas – uma para mim e outra para o gato. Comíamos e adormecíamos novamente, naquele aconchego tão bom, que adorava.
Certo dia, ao voltar da escola, vejo o Ruca morto no passeio. Tinha sido atropelado!
– Foi atrás dela, ouvi eu dizer.
Chorei, chorei e chorei até que, dois dias depois, lá chega o meu pai com um outro gato. Também teve o nome de Ruca e vivemos felizes, até ao mês de fevereiro do ano seguinte.
– Foi atrás das gatas, ouvi eu dizer.
Fiquei triste, é claro, mas novamente apareceu o meu pai com um gato dentro de uma gaiola de pássaros. Fiquei contente, mas apreensiva com a visão. Contrariamente aos outros Rucas, este era agressivo, unhas em riste e com má cara. Teve que ir viver para uma parte desocupada do galinheiro de modo a não fugir e evitar um novo desgosto.
Fui dois meses para a praia e, quando regressei, o Ruca tinha fugido.
– Também queria fazer praia, ouvi eu dizer.
Certo é que desta vez não chorei pois, confesso, não gostava tanto assim deste Ruca. Um ano mais tarde, e já com o galinheiro composto e com várias galinhas, dois galos e alguns coelhos, apareceu lá em casa um cão já crescido e bem bonito. Tenho para mim que foi a tia Rosa que me enviou este presente, mas …
Fiquei feliz, mas foi sol de pouca dura. Quinze dias depois acordamos com a minha mãe aos gritos. O cão, durante a noite, atacara a capoeira e foi uma verdadeira chacina. Aos gritos, ficou bem claro que não voltaríamos a ter animais domésticos em casa.
– Era um perdigueiro, ouvi eu dizer.
Havia sempre uma desculpa, curta, que me tirava o pio!
Claro que eu não entendia a relutância da minha mãe relativamente a cães e gatos, mas tive que aceitar a sua decisão. Assim, durante muitos anos, não houve lá por casa mais animais, a não ser algum gato vadio que tomava de assalto o quintal e estragava as plantações.
Cresci. Tinha a minha filha sete anos quando apareceu na casa da avó uma ninhada de gatos.
– Mãe, podemos ficar com um gatinho e levar para nossa casa?
Claro que concordei de imediato. O gato recebeu o nome de Pakito. Cresceu e ficou um lindo gato, pelo preto muito lustroso e uns olhos muito verdes. Mas claro, também a vida do Pakito não podia ter um final feliz em nossa casa … pois comecei a ter problemas respiratórios.
– Alergia ao gato, ouvi o médico dizer.
Lá foi o Pakito para uma nova morada. E viveu feliz com os novos donos, ouvi eu.
Como gostava muito de animais e estava decidida a ter um cão, aceitei de imediato o que um dia chegou lá a casa, com três meses e de raça boxer.
Pelo castanho dourado, focinho achatado e muito meigo. Embora de porte médio, pelo seu aspeto, metia respeito, o nosso Alex!
Vivemos quatro anos de grande companheirismo, aventuras e de algumas travessuras. Claro que quando se entrava em casa e se via uma linda vela de natal a cheirar a canela e destruída, ou quando ele decidiu ler Kafka, Albert Camus ou Somerset Maugham, não era de todo agradável, mas rapidamente esses episódios eram esquecidos e tudo entrava na normalidade.
Do nada, tivemos que abater o Alex devido a um grave problema hepático. Choramos, chorei, pesou-me a perda e decidi, por livre vontade, que não queria mais nenhum animal cá em casa.
Nessa altura, e finalmente, entendi a relutância da minha mãe em relação aos cães e gatos.
– Já não chegam os desgostos da perda de familiares? Porquê juntar ainda os da perda dos animais? disse-me a minha mãe. E tu que tiveste sempre a mania de correr atrás deles …
Evidentemente que ainda passaram cá por casa peixes, pássaros, o Baltazar Sete Sois, um hamster só com três patas, e a Pandora, uma tartaruga anã que ronda os vinte e sete anos e sonha em viver dentro de casa.
Hoje recordei estes meus amigos porque, em conversa com o meu amigo Ferraz, senti a emoção e a dor dele quando me contou o abalo que sentiu (e ainda sente) perante a partida da sua cadelinha, na semana anterior. Rapidamente estas memórias, que aparentemente estavam fechadas na gaveta, saltaram cá para fora.
De repente há uma tristeza que nos faz sentir vazios!
Dei comigo a pensar que não devemos esconder esses sentimentos, que devemos falar sobre eles e chorar sempre que necessário, sem vergonha. Por isso, falei comigo mesma, relembrei os meus amigos de quatro patas e escrevi sobre eles esta história.
Para o amigo Ferraz, aqui fica o meu abraço solidário.
O romance acaba aqui?
Sinceramente acho que não, até porque o meu neto Manel já falou duas vezes que queria ter um gatinho aqui na casa da vovó.
– Então diz lá, meu querido, como resolvemos isso?
Na sua inocência, o Manuel respondeu rapidamente:
– Fazemos um rego, pomos lá uma semente, regamos e nasce um gatinho rosa Pink.
Visto assim até parece tudo simples! Aos olhos de uma criança feliz, na idade da inocência, que na escolinha tem trabalhos de lavoura e adora mexer na terra, tudo isto é muito bonito e simples, sim senhor. E não custa nada ajudá-lo a compreender e ser feliz. E … já vi que o romance não vai ficar por aqui!
As memórias…num belo texto.