As viagens da Gota – uma estória para todas as crianças
– Etelvina S. Ferreira
Era uma vez…
Gota era uma menina translúcida, tão linda, tão transparente que conseguíamos atravessa-la com um único olhar, como se fosse um espelho. Brilhava por todos os lados, mesmo dentro do seu coração. Também não admira…, era filha do Sol e da Lua!
Vivia numa nuvem e os pais nem sempre estavam em casa porque viajavam muito. O pai acendia as luzes do mundo e a mãe acendia as luzes dentro das pessoas e era por isso que um trabalhava de dia e outra de noite, mas, por vezes, encontravam-se os dois para matar saudades. Quando era pequenina dormia num berço que mudava de cor, dourado quando o pai estava em casa, pois lançava raios de amor com que as mãozinhas da Gota brincavam a fazer desenhos; azul porque a mãe Lua gostava muito de se pintar de azul; branco de neve quando o pai e a mãe estavam ausentes, muito raramente, e eram as estrelas que tomavam conta dela.
No céu Gota brincava aos saltos, com as suas amigas, pulando de nuvem para nuvem, e por vezes, alguma delas, distraída, até caía no espaço e deixava de ser vista por uns tempos. Quando regressava contava maravilhas do planeta Terra e todas as outras sonhavam, ansiavam, por fazer a mesma viagem.
Certo dia, ao atravessar a ponte entre as nuvens, Gota deu um passo mais pequenino e caiu no vazio juntamente com algumas amigas. Cheias de medo agarraram-se umas às outras e começaram a voar ao sabor do vento, como já tinham visto fazer os pássaros.
Ao anoitecer, mortas de cansaço, decidiram repousar à beira de um regato, mas eis que, de repente, a chuva começou a cair. Eram outras gotinhas, que também caíram de outras nuvens.
Sem saberem o que fazer decidiram juntar-se todas e, de mãos dadas, deslizaram até um rio que corria ali bem perto. Mais tarde disseram-lhes que se chamava Douro. Daí até chegarem ao mar foi um sopro, um instante muito rápido, quero dizer.
Gota nunca tinha visitado o mar e a surpresa foi enorme. Lá de cima avistava muita água, tanta, tanta, que até parecia que a Terra era toda azul, mas ao vê-lo ficou maravilhada. As ondas vinham lamber a areia e voltavam para trás fazendo muita espuma e as gotinhas na crista das ondas enrolavam, escorregavam pela onda abaixo, e riam muito alto e com muita alegria. Tinham descoberto um maravilhoso escorregão!
Entretanto o pai Sol que tinha vislumbrado lá de cima a brincadeira, com medo que alguma se magoasse mandou recado através dum raio de luz.” Venham já para cima, suas malandrecas! Vou transformar-vos em bolinhas de ar, para ficarem leves e subirem mais depressa. Já é quase noite e ninguém sabia das meninas! Ai…ai… se a mãe Lua sabe vai ser bonito! “
Subiram, subiram, e no trajeto Gota, muito feliz, disse para as amigas: “Foi tudo tão divertido, não foi? Mas para a próxima quero aterrar num lago. Acho os lagos tão lindos, uns verdes, outros azuis e alguns têm tantas crianças à volta que me interrogo se podem ser todas felizes.”
Foi assim que Gota veio a conhecer crianças de todo o mundo e também ficou a ser conhecida por muitos nomes ( Drop; Tropfen, Ypohntb, Jiángdá, etc. etc.) e as crianças quando as viam a cair gritavam bem alto: Chuuuva… chuuuva …Rain…Algumas crianças eram muito felizes porque o lago lhes dava a água que necessitavam para produzir alimentos e tomarem banho, mas outras, magrinhas, esqueléticas, metiam dó! Viviam no deserto e não tinham água suficiente porque os lagos estavam todos a secar. Gota e as suas amigas juraram ali mesmo que se iriam juntar para criarem chuva e engordarem os lagos. Assim também engordariam os meninos.
Daquela vez as gotinhas nem se aperceberam do caminho para casa. O calor era tanto que, repentinamente, ficaram tão leves, tão leves, que até subiram mais rápido que os passarinhos!
Então não querem saber que Gota tinha apanhado um vírus, um daqueles que não tinham medo dos antibióticos. Esse vírus chamava-se “Gostar de Viajar”, mas ela ainda não sabia o nome. Achava que já tinha viajado muito, mas ainda lhe faltava ver a neve.
Gota estava ansiosa que chegasse ao Natal. Prometeu a ela mesma que na véspera de Natal iria, com algumas das suas melhores amigas, visitar um Iceberg. Ouvira falar que para os lados da Lapónia, um país que ficava no Pólo Norte, havia muita neve e que um senhor, muito velhinho, todos os anos carregava um trenó de prendas e distribuía por todas as crianças, ricas ou pobres. Nenhuma ficava sem presente! Esta ideia parecia-lhe maravilhosa!
Quando finalmente chegou o dia apressaram-se a descer, não fosse o Pai Natal partir sem as ver. O espetáculo que observaram à chegada foi de cortar a respiração, mas sem provocar a morte. A neve cobria tudo o que os seus olhos viam e, de vez em quando, no meio daquela bela paisagem, apareciam árvores de ramos vergados pelo peso que pareciam estar enfeitadas de algodão. Do céu caiam flocos que formavam desenhos parecidos com estrelas enfeitando os telhados e os jardins como se fossem flores. Um pequenino vento que por ali passou segredou-lhes que a senhora Natureza estava a enfeitar-se toda. Queria ser a mais bela para receber o Menino Jesus!
Foi assim que chegou o dia de Natal e todas as gotinhas receberam uma prenda que estavam ansiosas por mostrar aos pais.
Mas desta vez a subida iria custar mais. O frio e a neve eram tantos que o Sol iria ter muito trabalho para transformar as gotinhas em ar, tanto mais que havia um grande bloco de gelo na frente, um que estava quase a partir-se ao meio, assustando os pinguins e os ursos.
Mas o Deus Sol é muito poderoso. Lançou tantos raios para a Terra que quase ia derretendo o grande Iceberg. Foi mesmo por um triz que as pessoas escaparam de morrer com uma grande inundação. As gotinhas aqueceram tanto que durante muito tempo andaram a saltar de uma nuvem para outra transformadas em pequeninos balões cheios de ar, ao sabor do vento e das tempestades.
Hoje Gota ainda continua a viajar. Umas vezes é água, outras é neve ou até ar, e não há sítio nenhum da Terra que ela não conheça. Vejam lá que até já foi ao Amazonas!