Caravaggio, o pintor da luz

Imagem: Caravaggio-1599-1600- A Vocação de S. Mateus – Capela-Contarelli

– Etelvina S. Ferreira

Durante muitos séculos o mundo foi olhado segundo o mesmo prisma, até que surgiu um homem com uma visão extraordinária: Caravaggio. Até então os artistas regiam-se pelas regras de Policleto, o homem que inventara o cânone da beleza ideal. Vinte séculos depois nasce aquele que romperia definitivamente com esse estatuto ao introduzir nos seus quadros um elemento novo, a luz: Uma luz que contrasta, que destaca, que dá a ver uma ação de maneira dramática. Temos a impressão de uma realidade terrível, imediata, presente como se o drama se desse aos olhos do público.

Michelangelo Merisi de Caravaggio, nasceu na aldeia de Caravaggio, em Milão em 1571. Morreu em Porto Ercole em 1610. Durante toda a sua vida foi particularmente sensível ao espírito da Contra-Reforma porque cresceu em Milão, o local onde Carlos Borromeu o Bispo que redigiu as atas do Concílio de Trento, vivia também. Reconciliação, humildade, fé e piedade seriam os lemas da Contra-reforma que Caravaggio iria prezar.

Aos treze anos começou a estudar pintura na escola de Ticiano, por imposição da mãe, e quando esta morreu, tinha ele cerca de 18 anos, abandonou Milão e foi para Roma. Nesta cidade começou por vender pequenos quadros em que representava a juventude atrevida e dourada de Roma, de moral duvidosa, usando os seus amigos do grupo como modelos. Entretanto torna-se protegido do Cardeal del Monte vindo a surpreender toda a gente com o seu primeiro quadro de encomenda, “A Conversão de S. Mateus”, como nunca antes tinha sido pintada. Criou um cenário meio romano, popular. Não sabemos se é uma rua, uma adega ou uma simples cave romana, mas é algo pobre que todos reconhecem. No quadro existem duas partes claramente demarcadas pela sombra: de um lado Cristo e S. Pedro vestidos à moda antiga e do outro os cobradores de impostos trajando roupas do séc. XVI. E todo o quadro, espantosamente, está organizado pela luz, uma luz irreal que vem de cima, atravessa o quadro obliquamente sobre um fundo muito escuro o qual obscurece totalmente a decoração. A luz torna-se subitamente um elemento pictográfico fazendo parte integrante do quadro.

Em poucos anos Caravaggio vai do submundo da cidade aos palácios de Roma.

Noutro quadro, “A morte de S. Mateus”, aparece o outro lado de Caravaggio. É um quadro muito violento, uma espécie de fúria que se manifesta em gestos rudes e agressivos. Aqui a personagem em evidência devido aos efeitos da luz, é o assassino. Temos a impressão de estar no local sendo esta uma cena muito cinematográfica.

Caravaggio tem sucesso, mas ao mesmo tempo não perde os maus hábitos. Continua a ser o mau rapaz, beberrão, mulherengo e brigão. A vida de Caravaggio em exílios sucessivos continua a ser marcada pela violência. As suas más ações granjeiam-lhe uma reputação terrível. Em 14 anos foi preso 11 vezes e sofreu sucessivos exílios, tendo vindo a morrer na prisão de Porto Ercole na mais abjeta miséria.

Entretanto “o Caravagismo” difunde-se de maneiras diversas por entre os pintores franceses, espanhóis, flamengos (Escola de Utrecht totalmente caravagiana), etc. Os artistas da geração seguinte adotam também Caravaggio É o caso de Rembrandt, Vermeer, Frans Halls. Durante o classicismo assistimos a um ressurgir da pintura de Caravaggio como por exemplo “A morte de Marat” de David.

Hoje em dia o cinema deve-lhe muito. Em “O Padrinho” Copolla usou a luz à moda de Caravaggio e Corsese, também disse ter usado em “A Última Tentação de Cristo”, chamando-lhe mesmo um dos seus mestres. As grandes fotos da Imprensa atual ou as reportagens remetem-nos inevitavelmente para a mestria de Caravaggio. Hoje continuamos a usar as mesmas fórmulas, consciente ou inconscientemente, porque são as mais eficazes para nos falarem ao coração.

 

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