Em memória da tia Rosa

Em memória da tia Rosa – Nabos de São Cosme e o seu famoso caldo

Margarida Rodrigues

Em tempos idos, era eu uma criança, vivia entre a casa dos meus pais e a casa da tia Rosa. Cerca de 1,5 quilómetros a distância.

A tia Rosa era uma espécie de avó, que não conheci. Vivia no sopé do Monte Castro, numa casa em tudo, muito diferente da casa dos meus pais. Toda em pedra, duas entradas, e escadas íngremes em granito. Janelas de guilhotina com cortinas em voal, folhos ao seu redor, e as namoradeiras, a fazer as minhas delícias.

Toda a casa era uma espécie de castelo encantado.

As glicínias que cobriam o caramanchão era o local de eleição para a leitura diária depois do almoço.

– Vai ao talho, e pede ao senhor Nuno que te arranje uns ossos da assuã.

– De assuã? – perguntava eu.

– Sim, é para fazer o caldo. Depois vais ao correio. Não te enganes e dá cumprimentos à dona Beatriz. Passas pelo senhor Benedito e compras meio quilo de farinha de milho para fazer as papas. Diz para apontar – dizia a tia Rosa.

Eu lá ia toda contente e atenta, para não haver enganos.

Em casa dos meus pais era diferente.

– Vais ao talho do senhor Teixeira e compras um quarto de fralda de boi para fazer a sopa de nabos.

– Fralda? – perguntava eu.

– Sim, mas que não seja só gordura, senão é para devolver. Tem atenção aos carros e só atravessas em frente ao talho.

Nessa altura eu não fazia a menor ideia como era possível fazer o mesmo tipo de sopa com ossos de assuã e carne de fralda de boi e ainda muito menos, qual a diferença entre sopa e caldo de nabos.

O caldo de nabos na casa da tia Rosa, era azedo, azedo…mas o que me fascinava era o corte do nabo.

Meias-luas tão perfeitas que só podiam ser a causa da amargueza do caldo!

– Come, que não te fura a barriga, são nabos de São Cosme.

Terrível, terrível, eram aqueles “olhos” de gordura (efeito do pingue e do azeite) a olharem para mim. Era um pesadelo, estremecia, mas comia…

Ao lanche ainda arrotar à acidez do caldo, era presenteada com um ovo estrelado no meio de um pão e uma grande caneca cheia de café amargo.

Claro que estremecia a beber o café e só deixava a borra que ficava no fundo da caneca!

O café era uma mistura de 80% café e 20% cevada, trazido todas a sextas-feiras ao fim da tarde. Uma mistura comprada na grande Cidade, na casa “Sanzala”, uma das muitas que então vendiam o café a granel. E este, tinha um aroma tão intenso que me ficou na memória de criança, então com 6 ou 7 anos de idade!

Na casa dos meus pais, a coisa já era bem diferente. Leite misturado com cevada, era a bebida de eleição.

– O café faz mal – dizia a minha mãe.

Lá em casa comia-se a sopa e não caldo. Eu não gostava, apesar de ser mais grossa e menos azeda, com menos verdura, e claro a contragosto, lá comia. Só alguns anos mais tarde, descobri qual a razão. Eram os mil cuidados de minha mãe perante a frágil saúde do meu pai.

Logo que pude, pela maioridade e independência, deixei de comer caldo ou a sopa de nabos, sem nunca ter percebido qual a diferença entre caldo e sopa.

Já casada e mãe de filhos, de tanto ouvir falar dos famosos nabos de São Cosme (brancos, muito redondos e folhagem muito verde e ácida) decidi que era o tempo de começar a experienciar a confeção da sopa de nabos.

Pergunto aqui! Pergunto ali! Acolá… e finalmente descobri qual a diferença de ossos de assuã ou carne da fralda e as variedades de nabos.

Uns com parte arroxeada cultivados mais próximo dos lameiros, outros menos ácidos, a incluir os grelos e as nabiças.

A minha sopa, era uma boa sopa, mas, nada tinha a ver com a memória de criança. A escolha levou-me pela carne do nispo, com uma base diferente.

Finalmente, consegui fazer e comer a sopa de nabos.

A idade aportou-me outra sensibilidade. Hoje, lembro com muito carinho e amor, o caldo de nabos de São Cosme da tia Rosa, o café, o ovo estrelado, a alimentar as memórias desse tempo em casa dela, partilhado ainda hoje com algumas primas.

Os nabos para o caldo da tia Rosa, eram comprados no “Laborim”, um dos muitos lavradores, que tinha e ainda tem, a genuína semente dos nabos de São Cosme, o qual abastece os revendedores de sementes instalados na cidade do Porto, entre as quais A Sementeira do Bolhão e a Abílio Dias & Irmão.

Nos dias que correm ainda mantenho o hábito de duas vezes ao ano, comprar nabos de São Cosme ao vizinho Laborim.

Em conversa com gentes de fora do concelho de Gondomar, fiquei a saber, virem propositadamente à aldeia de São Miguel, São Cosme, adquirir as famosas sementes de nabo. A aldeia de São Miguel tem a fama de ser terra de grande produção de nabos e pencas, que abastecem com regularidade os mercados.

Eis o meu singelo o relato de algumas das minhas memórias com o Caldo de Nabos. Ao findar este testemunho, expresso a minha gratidão sem fim à minha tia Rosa que me ensinou a ler aos cinco anos e me transmitiu o fascínio pelo mundo dos livros, ah… não esquecendo nunca aquele café de sabor amargo.

 

2 thoughts on “Em memória da tia Rosa”

  1. Maria de Lourdes Pereira e Almeida

    Muito bem. Trata-se de uma tradição que desconhecia e que em casa não se fazia. Mas na casa dos meus sogros, sim, só que eu não gostava!
    Obrigada por lembrares a D. Beatriz, dos correios (minha mãe).

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