– Lino de Castro
No último fim-de-semana de Maio, nós, alunos da USG, tivemos o ensejo de ver e apreciar duas das edificações, maiores, do nosso património histórico e arquitetónico, ambas listadas como universais pela Unesco.
A primeira que visitámos foi o habitualmente denominado Convento, ou Palácio, de Mafra, localizado às portas de Lisboa. Ordenou a sua construção o rei D João V (o Magnânimo), em cumprimento de um seu voto à Providência se a rainha consorte, D. Mariana de Áustria lhe proporcionasse descendência Real.
Naquele tempo, ido de há trezentos anos (não se acrescente aqui o advérbio temporal “atrás”), imperavam superiormente, ainda, na ideologia e crenças da Cristandade, os desígnios e a vontade do ente supremo, Deus, no que respeitasse à consanguinidade do próximo-futuro personagem Real. Daí o voto-promessa do nosso quinto João-Rei ao Ser Supremo, se este se dignasse conceder-lhe a “graça” de, nos braços da sua Real esposa, conceber o futuro descendente com direito pleno ao uso da coroa Real.
Elucidativo será lembrar hoje que àquele tempo, na centúria de setecentos, predominava a ideia e a ideologia de que o exercício do Poder Real dimanava (indiretamente) de Deus, dada a origem divina da mente do rei; e dos desígnios d’Ele quanto à nascença, ou não, de um seu (d’Ele) Ministro para nos governar (e ele, Rei, reinar) neste nosso “vale de lágrimas”. Se ao Papa o pedido se fizesse, até como ato solene de consagração seria ele, o Papa, a colocar a coroa sobre a cabeça do (proclamado, e aclamado) Rei-Ministro. Recordemo-nos da coroação (imperial) de Carlos Magno, por Leão III.
Volvidos cerca de cem anos (não se diga, outrossim, e inversamente, “depois” ou “para a frente”), já Napoleão Bonaparte, ele mesmo, o corso indígena, colocaria aquele adorno Real (agora Imperial) em sua própria cabeça (e na de Josefina) com as suas mãos (1804). A ideologia e a crença no Iluminismo germinara e desenvolvera-se desde décadas antes. Começara uma revolução nas ideias, nos conceitos e nas práticas de vida de um novo homem, o Cidadão.
Aconteceu a alvorada da Idade Contemporânea, o amanhecer de ideias e de conceções, de ideais e de novas filosofias políticas (e não apenas) divergentes e até opostas às que haviam predominado século após século, quiçá milénios.
Retornando à visita feita. O convento é um edifício enorme, utilizável em área semelhante à de cinco campos de jogos de futebol – 40.000 metros quadrados (boa parte dos quais ocupados, hoje em dia, por um aquartelamento do Exército).
Segundo os especialistas em conhecimento de Arte, o edifício, constituído por convento, igreja e palácio real, mostra semelhanças com o mosteiro madrileno do Escorial, e foi construído desde 1717 até 1744. O seu traço arquitetónico pertenceu a Ludovice (João Frederico L.), tendo este, associando ao estilo barroco romano então prevalecente na Europa, e dominante no edifício, plasmado nele influências artísticas germânicas.
Entre os arquitetos formados no estaleiro de Mafra destacaram-se Reinaldo Manuel dos Santos (1740-90), o qual viria a distinguir-se na reconstrução de Lisboa após a grande destruição de 1755, e, mais tarde, vindo da primeira escola de escultura do País, em Mafra, Joaquim Machado de Castro, autor da estátua equestre de D. José I (1771), em Lisboa, e de vários outros trabalhos significativos em arte na Basílica da Estrela, e no Palácio da Ajuda, mormente.
Também na pintura, pelo Palácio-Convento de Mafra deixaram-nos a sua arte os talentos de Vieira Lusitano (1699-1783), Vieira Portuense (1765-1805), entre outros, e Domingos Antônio Sequeira (1768-1837), nome este recentemente mais mediatizado, mercê da campanha feita com o desiderato de ver ingressar no M.N.A.A. uma das obras-primas do pintor. Todos estes são nomes sobejamente conhecidos enquanto expoentes nacionais nas artes de acrescentar poesia a pedra esculpida, e cor e sombra ao universo retratista das pictóricas
Embora nos tivesse sido restrita a área de visitação do Convento, acreditamos, pelo que deduzimos desta, na sua imensa superfície. Cremos que será a maior de um só edifício, no País. Aliás, é neste Convento-Palácio que está instalada a maior, e centenária, biblioteca nacional – trezentos mil volumes. Várias foram as salas e salões que visitámos e apreciámos bem assim diversos espaços de menores dimensões, “equipados” com lareiras, alguns, ou o real quarto dormitório, de “dormição” de sua Alteza Real. Não só o escriba do presente texto mas provavelmente também demais visitantes no momento, surpreendido ficou ao saber que sua Real Alteza não dormia, não podia, estava impedido (proibido?) de adormecer e dormir na posição horizontal. Porquê? Porque em ele se decidindo a colocar o seu real corpo em horizontal posição, paralela ao plano do leito (ou do chão), corria o risco, ele o Rei, de falecer, em resultado de algum eventual desequilíbrio dos seus humores – o sangue, a bílis, e outros.
As crenças, as “teorias” daquela época! Estas eram, in illo tempore, razão suficiente para que sua majestade devesse dormir assim, recostado a algo, com o corpo fletido, ou em posição de decúbito soerguido. Mas, não só isto. Pois que também (se) exigia que junto ao leito onde dormia (!) sua Alteza houvesse a presença permanente de um seu criado, vigilante obrigatório e atento do dormir da sua Real pessoa. Aqueles é que eram tempos, bons tempos: até na sua própria “dormição” sua Alteza era protegido…do seu suposto ou repentino fenecimento.
Outra surpresa, ou espanto, foi saber, pela voz do guia de História que nos orientou pelos espaços do Convento-Palácio, que suas Altezas Reais D. João e D. Mariana quando decidiam encontros amorosos entre si mesmas, não se desnudavam completamente. Aqueles é que eram tempos … maus. Claramente adversos, contrários à caliente volúpia da libido (que palavrão!). Mas sim / Porque sim, havia respeito, boas maneiras, e…boas práticas. (Neste jornal, mui respeitável, não são permitidas ou autorizadas descrições de minuciosidades afeto-emotivas). (Outro palavrão! Livra-nos deles, ó escriba!).
Mudando de agulha, ou o sentido dela. Saltemos para fora do sulco da malícia. Depois do almoço ainda em Mafra, dirigimo-nos à Aldeia (-) Museu José Franco. Interessante e digno de ser conhecido aquele museu, a céu aberto, consideramos. É uma memória quase viva de um tempo pouco antanho, quase recente, poder-se-á dizer.
Chegada aTorres Novas cerca das dezoito horas, onde pernoitaríamos. Ao jantar, no hotel, a Geninha concertada desde antecipadamente com a filha do homenageado, Sr. Álvaro Silva, presenteou este nosso colega pelo seu aniversário, acontecido no dia anterior ao completar oitenta e oito anos, com um bem volumoso e característico bolo, o qual todos os demais cinquenta colegas de viagem degustaram. Foi uma agradável surpresa para o aniversariante e um contentamento geral para os presentes. Antes de recolher aos aposentos, alguns de nós, poucos, fizemos uma pequena caminhada em direção ao castelo local. Encerrado que estava, apenas apreciamos alguns panos da muralha e a torre de menagem, bem iluminadas, e a escultura modernista do busto e da cabeça do rei Povoador, Sancho I de seu nome na Historia.
O convento da Ordem de Cristo em Tomar, foi o destino do nosso seguinte dia da viagem cultural. Não nos foi possível visitar todo o seu espaço monumental, porquanto desde há largos meses vem sendo sujeito a diversas ações materiais de restauro e preservação.É um edifício acastelado, construído, como não poderia deixar de assim ser, sobre a colina elevada da cidade. A sua edificação ter-se-á iniciado cerca de meados do século XI e foi continuada pela Ordem dos Templários, nela instalada até ao início do século XIV, pois que por bula papal a Ordem foi extinta em 1312 (numa certa sexta-feira dia treze – daqui a origem da secular superstição popular, preditiva de agouro nesta conjugação cronológica). Todavia, a Ordem será renomeada por D. Dinis sete anos depois, designada a partir de então como de Militar de Nosso Senhor Jesus Cristo – Ordem de Cristo, e, no geral, mantendo a propriedade dos bens pertencidos à Ordem dissolvida, a construção foi sendo intermitentemente ampliada ate ao seculo XVII, já então sob o mando de Filipe III. O edificado por grande superfície como acima se disse, é constituído por várias estruturas e espaços, sendo de nomear como os maiores, para além do espaço conventual propriamente dito, a casa e Sala do Capítulo, a Igreja, o Palácio-convento Real, os claustros; referências maiores a salientar são, ainda, pelas suas específicas figurações artísticas, a afamada Janela do Capítulo, trabalho escultórico singular, expresso no “florido” estilo Manuelino, do gótico flamejante; e a belíssima Charola da igreja do convento, exemplar único no País, e já até cenário de alguma filmografia da arte sétima. Como remate da nossa visita, beneficiados fomos com a “graça” de almoçar em um salão do próprio edifício-convento.
Finalizámos a visita à cidade templária, atravessada pelo bonito e agradável Nabão, revisitando a renovada Sinagoga e seu pequeno museu.
Agradados ficamos todos, decerto, com mais este passeio de índole cultural, de ganho valioso para o nosso acervo de conhecimentos, do saber, desde o do mais antigo – Castelo-Convento de Tomar e Convento-Palácio de Mafra -, ao mais moderno – a Aldeia Museu José Franco,
Mais viagens assim? Claro que aplaudimos. Venham elas, pois. Pela Cultura, pelo lazer e pelo convívio animado e saudável entre os participantes.