– Rui Brito da Fonseca, amante das origens, das tradições e da natureza
Onde hoje vejo um pequeno e inacabado parque de descanso e lazer, outrora foi um local de fortes emoções. Ali, desde os anos 30 do século passado, existiu o campo de jogos de Vila Verde, pertencente à Companhia das Minas, mas entregue à sua associação desportiva. Conheci-o desde os anos 50, onde, nas tardes de domingo, assisti a muitos jogos de futebol entre o S. Pedro, clube local, e as várias equipas adversárias da Associação de Futebol do Porto. Invariavelmente, partidas renhidas e amiudamente acabadas em cenas de pancadaria, entre visitantes e visitados, ou mesmo entre os próprios adeptos do clube local.. Pelo meio, sobrava ainda para a força da Guarda Republicana.
Eram tempos ásperos, com escassos divertimentos, marcados por um rude labutar pela maior parte da população, a quem apenas era oferecido o desafio da bola para contrabalançar a vida de trabalho duro e monótono. Domingo sim domingo não, lá rumava ao campo de Vila Verde uma multidão a apreciar os seus ídolos, na esperança de os ver vencer o adversário, que para alguns adeptos mais ferrenhos era tido como inimigo a abater… Também as hostes dos visitantes muitas das vezes integravam gente de mostarda ao nariz… e o resultado era a partida de futebol redundar em cenas de pugilato e correrias, quando não facadas à mistura, por vezes começada entre os próprios jogadores, alastrando depois fora das quatro linhas.
No entanto, havia também uma reverência quase religiosa pelas estrelas do pontapé na bola. Quem não recorda, a admiração a que eram votados, entre outros, os Coutos, os Ribeiros, os Marques e o virtuoso Soares que vindo, se não estou em erro, do Leixões, causava admiração com os seus driblese jogadas estonteantes, ganhando jogos e levando o S. Pedro a subir de divisão?!
Os adeptos da casa espraiavam-se em pé, preferencialmente pela lateral da entrada, tendo acesso pela porta do lado sul reservada aos sócios, enquanto os forasteiros ocupavam a bancada e o lado oposto debaixo dos eucaliptos.
Era uma festa preparada com altifalantes, esganiçando modinhas mais que conhecidas, pontuando também apelos ao bom relacionamento social e informação sobre a constituição das equipas.
Junto ao pinheiro manso, no topo norte ao lado dos balneários, lá estava uma tasquinha onde se satisfaziam a sede… ou tristezas, e no terreiro eram habituais as vendedeiras de pirolitos, caladinhos, malacuecos, fava rica, castanhas e outras não muito higiénicas guloseimas, dirigidas principalmente à miudagem. A Ti Rosa Piolha era certa.
Começada a partida por um sonoro apito do árbitro, fazia-se a um tempo silêncio, logo quebrado pelo sussurro dos adeptos em conformidade com as jogadas e as decisões do juiz. A garotada, empoleirada no cimo da entrada, chinfrinava batendo as chapas de um arremedado placard informativo do resultado entre a equipa local e a visitante. Corners, offessides e outras designações do evoluir das jogadas andavam na boca dos espectadores pelo seu nome original em inglês.
…E durante os 90 minutos divididos nas duas partes, os São-Pedrenses esqueciam os seus problemas pessoais para os alijar no desporto, fosse como resultado de uma jogada prodigiosa de um avançado, ou uma cena de “teatro” do Abílio, que se portava como craque-prima-dona, mal era tocado pelo adversário. Tudo contribuía, num crescendo, para um final de tarde vitorioso e alegre; ou, pela derrota, para um frustrante e acabrunhado findar de domingo. Era então que as zaragatas tinham o seu ponto alto, com a Guarda equipada de choque a intervir, com cavalos à mistura, e os habitués, como o Nisco, a dar azo à sua fama de terríveis… Porém, toda a agitação finalizava para renascer no desafio seguinte em Vila Verde.
Tempos esses de glória desportiva e social há muito idos, onde o sonoro bruaá do coletivo era sinal de golo vitorioso que se estendia até às lonjuras de Beloi, no extremo da freguesia. Tudo isso acabou! Sobra aos mais nostálgicos e sensíveis um humedecer de olhos ao depararem com o atual e abandonado estádio de futebol em S. Pedro da Cova, que não passa de um autêntico campo de erva alta, vazio, sem jogadores, sem a alegria da juventude e o vivo aplauso dos adeptos.