– Etelvina S. Ferreira
Linguagem Erudita e Linguagem Popular são dois aspetos da linguagem que se relacionam com a classe social. Estão diretamente ligadas ao estrato social em que o indivíduo se insere e ao respetivo grau de escolaridade: “ Diz-me como falas e dir-te-ei quem és”.
A linguagem erudita é a usada na escrita e considera-se de maior prestígio, refletindo o nível de cultura do falante, enquanto a linguagem popular é mais informal sendo usada em situações coloquiais.
William Labov , um conhecido linguista dos Estados Unidos da América, diz: ”…a linguagem popular, de pessoas menos escolarizadas e de classe social mais baixa, tem uma grande concisão, limpeza verbal e maior rapidez, enquanto a linguagem erudita, usada por pessoas de classe social mais elevada e mais escolarizadas é complexa, com superabundância de palavras e com mistura expressiva… Não deverão, portanto, existir preconceitos quanto à primeira visto as duas serem usadas em situações e contextos diferentes…”
Rui Barbosa (1849/1923) – Escritor brasileiro, grande estadista e humanista, conhecido pela sua prosa arrevesada ganhou fama popular pelas suas palavras eruditas e pouco comuns no vocabulário dito normal. Estas são dois exemplos das histórias que se contam:
1 – Rui Barbosa vivia numa casa de dois pisos numa aldeia brasileira. O quarto de dormir ficava no primeiro andar e em frente à casa havia um terraço cercado, com galinhas, perus, galinhas de Angola, faisões, patos e outras aves.
Uma noite, pelas duas da manhã, ele ouviu um enorme cacarejar, vestiu o roupão e veio à varanda ver o que se passava.
Assim que acendeu o holofote avistou lá em baixo um homem com aves debaixo do braço que olhava para ele espantado.
– Ó bucéfalo,- disse Rui – não é pelo valor integro dos bípedes e dos palmípedes, mas sim pelo ato sorrateiro de galgares os umbrais da minha residência. Se o fazes por necessidade transijo, mas, se tu o fazes para gozares da minha prosopopeia de homem digno te darei com a minha bengala fosfórica no áudio da tua sinagoga, ou melhor, reduzir-te-ei a zero, seu ladrão!
– Mas como é, “Seu Rui”, eu posso levar o frango ou não? – Interpela o ladrão.
2 – Rui Barbosa chega junto ao rio onde havia uma valsa amarrada a um tronco e junto a ela estava um negro atlético, que era o remador. Rui, apoiado na bengala, dirigiu-se a ele:
– Ó nobre etíope de estatura avantajada! Quanto queres de remuneração pecuniária para trasladar meu indelével corpo deste polo para aquele hemisfério? Peço-te que uses de magnanimidade ao fazer o cômputo da remuneração monetária a que tendes direito, porque apesar da sisudez da minha indumentária estou longe de ser um nababo ou potentado, e não disponho de lastro fiduciário para fazer frente a um débito de maiores proporções.
O barqueiro, espantado, disse algo como: “ O Senhor está a falar inglês?”
Logo Rui tornou de imediato:
– Ah! Aborígene de mentalidade incúria! Se o dizes por mera ignorância intrínseca ao teu ser, e por falta de luzes civilizatórias auferidas na mais tenra infância, então transijo. Mas se pretendes menoscabar a minha alta prosopopeia, despegar-te-ei um golpe com meu poderoso básculo, que irá fender a tua caixa craniana e espalhar pela paisagem a massa encefálica de que não fazes uso, produzindo um ribombo tão ensurdecedor que fará estremecer o entroncamento das sequoias e afoguentará para sempre as aves migratórias deste meridiano.
– Ó senhor, eu não quero ir ao cemitério. Eu cá não transporto estrangeiros. Se quiser atravessar tem de ir mais longe procurar outra embarcação.
À semelhança de Bocage ele é hoje recordado, no Brasil, através de pequenas histórias que não terão outro efeito senão provocar o riso e que são apenas uma crítica à dita linguagem erudita, tão fora de uso nos tempos que correm.