Tal como uma casa, a economia circular ou a transição energética, não se constroem a partir do telhado…
Por, Vítor Alves Pereira
“No Centro de Formação Militar e Técnica da Força Aérea da Ota os alunos têm sofrido constantes e repetidos cortes de água por longas horas, alguns cortes de eletricidade e, como se não bastasse, a comida das refeições é escassa e de má qualidade”
(in, Diário de Notícias, http://www.dn.pt/sociedade/forca-aerea-cortes-de-agua-luz-e-comida-escassa-deixa-militares-indignados-na-base-da-ota-14321317.html)
“…o estado de grande degradação das instalações provoca fugas de água sistemáticas e terá sido entendido que o melhor era cortar o fornecimento, que afeta até as casas de banho, com todas as consequências de insalubridade que isso implica”
O panorama descrito nesta notícia, está longe de ser um caso isolado. Nos últimos anos, enquanto responsável pela gestão de redes de abastecimento municipais, assisti “em primeira mão” a situações similares em diferentes equipamentos: escolas, centros de saúde, lares, tribunais ou espaços verdes onde se verificavam significativas perdas de água em virtude de roturas e/ou do mau estado dos respetivos sistemas prediais.
Destas experiências o que mais impressionava era a aparente indiferença dos utilizadores desses equipamentos ou edifícios. Desde que a água não faltasse nas torneiras, aparentemente, aquele não era um problema seu. Frequentemente, quando um funcionário era interpelado, a resposta vinha em forma de “AH! Isso não é connosco sabe, mas vamos avisar”. Era a entidade gestora e fornecedora de água, quem alertava o responsável do espaço e seu cliente, para o consumo anormal e desperdício de água (não raras vezes, colaborando na sua reparação). Muitas destas situações arrastavam-se, sem resolução por semanas ou meses.
Como, com certeza, estes casos não estão confinados aos municípios que conheço, é fácil perceber o potencial de redução de consumos de água nos equipamentos públicos espalhados por todo o País (e, imagino, o potencial de redução de consumo de energia). É (e bem) frequentemente referida a importância de redução das perdas nos sistemas de abastecimento de água em muitos sistemas municipais. Pois, parte destas perdas também resultam da incapacidade de resolver coisas tão simples como reparar uma tubagem no interior de uma escola, de um estabelecimento de saúde ou de uma instalação militar como na notícia acima citada.
Em parte, esta inação explica-se pela distância da entidade que tutela os diferentes espaços de utilização pública. Por ex., um centro de saúde é gerido pelo departamento de uma administração regional de saúde, uma escola, pelo equivalente departamento público que integra a estrutura tutelada pelo ministério da educação. Este contexto promove uma diluição de responsabilidades.
“Think Global, Act Local”
Para muitos responsáveis dos mais variados organismos públicos com responsabilidade na gestão e administração de um vasto parque de património público, parece ser mais apelativo – “mais sexy” – discursar sobre temáticas em voga com a “transição energética”, a “economia circular”, a “resiliência” ou a “descarbonização” (se há coisa que nós portugueses sabemos fazer bem, é aprender uma cartilha e, com mais ou menos erudição, repeti-la em diferentes capelinhas). No entanto, diz a sabedoria popular que “o exemplo vem de cima”, pelo que, se aqueles conceitos são uma verdadeira prioridade das políticas públicas terá de caber ao Estado, nomeadamente, os seus funcionários e servidores públicos, serem os primeiros a tomar consciência do Valor da Água.
Um metro cúbico de água potável, incorpora em si: a água bruta, a energia, os reagentes usados no seu tratamento, o processamento e encaminhamento dos resíduos de clarificação, a operação e manutenção dos equipamentos usados na sua captação, tratamento e transporte e o trabalho dos que asseguram toda esta cadeia. Evitar desperdícios, ser eficiente e tomar medidas efetivas como, por ex., apostar na criação e treino de equipas capazes de atuar rapidamente sobre a ocorrência de roturas de água ou assegurar a adequada manutenção das redes destes edifícios, poderia ter um impacto mais concreto e palpável na concretização dos objetivos relacionados com a sustentabilidade económica e ambiental quando comparados com o resultado de muitas ações e anúncios que, pomposa e abstratamente, vemos referidas nos mais variados fóruns e eventos.
Obviamente, a economia circular ou a transição energética são de vital importância e merecedoras de toda a nossa atenção, mas ao “Pensamento” temos de saber e conseguir juntar “Ação”.
Para finalizar esta reflexão (e desabafo), uma sugestão: considerando o enorme desafio relacionado com o rejuvenescimento dos quadros técnicos de câmaras municipais, empresas públicas e as mais diversas entidades do Estado enfrentam, porque não apostar num programa de formação e treino orientado para a capacitação de jovens profissionais na operação e manutenção de redes de abastecimento e distribuição de água? Certamente, a sua integração no mercado de trabalho traduzir-se-ia em ganhos de eficiência e poupanças de recursos com impacto positivo do ponto de vista ambiental e económico.
Planear, aferir, mudar!!