A personagem no museu (Homenagem ao Museu da Filigrana e ao seu filigraneiro)

A personagem no museu (Homenagem ao Museu da Filigrana e ao seu
filigraneiro)

 Maria José Moura de Castro

Estamos no ano 2067, na Casa Branca de Gramido, localizada na Travessa
Convenção de Gramido,41, Valbom. Com vista para o precioso rio Douro, na
famosa terra de Gondomar, terra de ourives e/ou filigraneiros. A Casa Branca
de Gramido é também conhecida por ser um antigo Museu da Filigrana, que
guarda, há longos anos, um enorme espólio de filigrana, como o próprio nome
indica.
É manhã cedo, o sol observa o seu reflexo nas águas, os valboeiros fazem-se
ao rio, abrem-se as esplanadas, as pessoas correm no passadiço, quando ele
chega. Não passa despercebido. É uma figura carismática, interessante.
Moreno, alto, magro, com uma valente cabeleira, bigode e barba, e, para
rematar, uns óculos com hastes em filigrana.
Os pequenos visitantes estão à sua espera e vão ao seu encontro. Há muito
tempo que os habituou a uma visita guiada por si, no primeiro domingo de cada
mês. O seu sorriso, o seu parlapié e a sua boa disposição convidam a entrar
com ele. A tradição ainda é o que era.
A pequenada segue-o de mãos atrás das costas como numa praxe ou ritual.
São os olhos que observam e tocam as delicadas peças de filigrana, em cada
sala. Só mexem no que é interativo e permitido.
Seguem-no de olhos espantados e felizes com o seu orgulho contagiante por
cada peça ali exposta, da mais pequena à maior, dele ou de vários mestres.
Seguem-no de coração e são vários os corações de filigrana, ali, a bater. Cada
um deles com a sua história, as suas pessoas, em cada fio delicado. O fio que
une a resiliência e a criatividade, o amor à sua arte. Todo ele respira e transpira
arte.
Chegados ao maior coração de filigrana, onde também o Douro corre e nele
navegam barcos, em fios de água feitos de filigrana, o olhar retém-se e alarga-
se com o sorriso. Este é o fruto de várias mãos e muita minúcia. Ele divaga
com os seus pequenos seguidores.
Seguidamente, segue em direção à sua dama. A dama que viajou para o
Dubai: um enorme vestido preenchido com filigrana. E, por momentos, ele já
não está ali. Só as crianças em torno do vestido, tentadas a tocar-lhe. Volta à
terra. Dá-lhes tempo para a admiração. As meninas imaginam-se a casar num
vestido daqueles. Os rapazes riem-se. Mas o sonho comanda a vida, atesta
ele.
Seguem-no de novo. Percorrem salas e mais salas, e ele parece cada vez
mais empoderado, mais revestido de filigrana. Também ele é filigrana.
Quando entram naquela que é a sala com a ovelha de filigrana, não duvidam, a
filigrana pode estar onde a imaginação humana a levar. Uma ovelha? E que

enorme! Quanto pesa? Quanto custa? Quanto tempo para a realizar? Quantas
pessoas por trás? Quanta delicadeza e concentração? Quanta dedicação?
Seguem-no unidas por estes fios de ouro ou prata finos e delicados,
entrelaçados e soldados: a filigrana.
Observam-no com um espanto cada vez maior, como se o vissem, a ele
mesmo, como uma figura de filigrana: o filigraneiro.
Culminam a visita no início, na origem, ou no berço, como que lhe quiserem
chamar, onde tudo começou para ele e outros tantos como ele: a oficina
artesanal do seu avô. E ali estão, lado a lado, um a dar e o outro a receber a
passagem do testemunho, o amor.
Ele, agora, tem oitenta anos, mas aquele menino ainda existe. Está ali. Ao lado
do avô. E a filigrana resiste. E o amor vence, pois há sempre um menino que
deseja ser como o filigraneiro.

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