A VIDA DAS PALAVRAS

A VIDA DAS PALAVRAS

 

Lino de Castro

Gostaríamos de iniciar hoje, aqui, uma coluna mensal que propusesse um conhecimento maior, mais escudado, no que à origem e ou significado primeiro tiveram alguns vocábulos ou expressões que com regularidade usamos, nós os falantes da nossa Língua – o Português, a nossa Pátria.

Comecemos, então, por dirigir a nossa atenção (ou o nosso interesse) para dois vocábulos, e também para duas expressões correntemente usadas.

BIQUÍNI. É o aportuguesamento da palavra inglesa Bikini, nome de uma das incontáveis ilhas do Pacífico. No arquipélago das Marshall, os Estados Unidos levaram a cabo explosões nucleares em 1946. No ano seguinte, em Paris, surgiu outra “bomba”. Trazido da ilha de Bikini, ao que parece por um engenheiro que participara nas experiências explosivas, foi apresentado na cidade-luz um fato de banho feminino constituído por apenas duas peças independentes. O escândalo previsto foi tão grande que as top models da época se recusaram a vesti-lo.

O novo fato de banho inspirado nos trajes das nativas de Bikini, teve de ser exibido por uma bailarina do Casino de Paris que não se atemorizou. Não muito tempo depois tornou-se um êxito mundial. No entanto, o Biquíni não trazia nada de novo. Numa vila romana do seculo IV já fora descoberto um mosaico onde uma jovem usava um igual modelo de fato de banho. Anteriormente, em pinturas minoicas de cerca de 1.600 a.C. a mesma peça de vestuário aparecia.

CARIOCA. Como se sabe, é o termo que mais correntemente se aplica aos naturais do Rio de Janeiro. Segundo algumas versões, a origem da palavra tem a ver com a língua dos índios tupis. Estes ficaram espantadíssimos com as casas de pedra e cal que os portugueses construíam na cidade, completamente diferentes das suas. Chamaram então à casa do homem branco Kary + Oca, sendo a primeira parte da palavra abreviatura do termo tupi Karioba como designativa de «homem branco», e Oka casa. O fenómeno linguístico é vulgar: da casa, o nome passou para o morador.

Carioca é, assim, pessoa oriunda do Rio de Janeiro, mas os habitantes do estado do Rio de Janeiro são chamados de «fluminenses», derivado de flumen, rio.

DOURAR A PÍLULA. Pequena bola, bolinha, este é o formato de um dos mais antigos medicamentos da história humana. Praticamente todas as substâncias com efeitos curativos se podiam reduzir a uma pasta, moldada, depois, na forma de uma bolinha, engolível ou mastigável. Mas, no início, a pílula era amargosa, desagradável de tomar (daí outra expressão, «engolir a pílula», ou seja, ser obrigado a suportar ou aceitar algo incómodo). Entre os Romanos tentou-se atenuar essa rudeza de gosto, misturando tais condimentos medicinais com matérias que lhes disfarçassem o mau paladar, especialmente o açúcar. Foi-se mesmo mais longe e houve a preocupação em modificar o seu aspeto exterior, cobrindo-o com uma finíssima película de ouro. Esta utilização do ouro sendo uma tradição antiga entre o Romanos, constituiu uma das bases da farmacopeia árabe. O aurum potabile, o ouro potável, foi, no período medieval, usado como fortificante, o ouro líquido tratava a epilepsia, e o aquecido receitava-se para a icterícia. Uma fina folha de ouro era colocada no rosto dos que sofriam de varíola. Em certas circunstâncias servia também como laxativo dado através de clisteres. A terapia pelo ouro estendeu-se até ao sec. XVIII.

TER PARA OS SEUS ALFINETES. Em outros tempos, os alfinetes eram objeto de adorno das mulheres e daí que, então, a frase significasse o dinheiro poupado para a sua compra. Porque os alfinetes eram produto caro. Os anos passaram e eles tornaram-se utensílios, já não apenas de enfeite, mas utilitários e acessíveis. Todavia, a expressão chegou a ser acolhida em textos de Lei. Como, por exemplo, o Código Civil Português, de 1867, do Visconde de Seabra (vigente em grande parte até ao Código Civil atual), incluía um artigo (o 1104) segundo o qual «a mulher não pode privar o seu marido, por convenção antenupcial, da administração dos bens do casal; mas pode reservar para si o direito de receber, a título de alfinetes, uma parte do rendimento dos seus bens, e dispor dela livremente, contanto que não exceda a terça dos ditos rendimentos líquidos»

Hoje, como todos sabemos, a expressão equivale a dizer “ter (ou não) dinheiro para viver”.

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