–Lino de Castro
Quando em 1492 Cristóvão Colombo ‘tropeçou´ nas atuais Caraíbas, o nosso monarca D. João II desconfiou que o navegador genovês pudesse ter estado no golfo da Guiné, espaço este vedado aos súbditos de Castela e Aragão por anterior acordo régio. Percebendo depois que o explorador de mares estivera em outra região totalmente diferente, D. João II comunicou o assunto aos Reis Católicos e os (três) monarcas iniciaram as negociações, as quais culminariam no famoso Tratado de Tordesilhas, firmado em Junho de 1494.
Porém, antes da assinatura do convénio, Fernando e Isabel recorreram à ‘arbitragem’ do aragonês Alexandre VI (Borja, ou Borgia, progenitor dos afamados Lucrécia, e César Borgia), então o Papa da Cristandade (Ocidental).
Este propôs aos monarcas ibéricos que a linha de demarcação das futuras terras a descobrir fosse um meridiano que passasse a cem léguas a oeste das já portuguesas ilhas de Cabo Verde. Todavia, D. João II recusou a proposta. O nosso rei sabia, pela viagem de Bartolomeu Dias, cinco anos antes, até ao cabo das Tormentas, posteriormente designado por da Boa Esperança, que havia uma ligação entre o Atlântico e o Índico na extremidade meridional da África. E o objetivo do rei português era assegurar o necessário espaço de manobra aos navios lusos na viagem em direção à Ásia, leia-se aqui, Índia.
Como resultado das viagens exploratórias ao Sul do Mar Oceano, provavelmente D. João II saberia da existência de terras boreais a ocidente da costa atlântica do mais idoso continente, (o ainda não conhecido Novo Mundo). Aliás, é o próprio Cristóvão Colombo que numa carta aos seus patronos Reis Católicos os informa, em 1493, de que os portugueses admitiam que poderia haver ‘uma terra firme’ para ocidente (recordemos que, anos antes, o itálico Colombo de Piemonte vivera em Lisboa, e em Porto Santo).
Prescindindo da autoridade religiosa nas negociações, o nosso rei optou por tratar pessoalmente do assunto com os vizinhos Reis Católicos. E terá sido, como resultado de tais negociações, que a linha meridiana inicialmente proposta pelo Papa se “moveu” para 370 léguas (cerca de 1850 km) a ocidente daquelas mesmas ilhas.
Poderá supor-se que o nosso Príncipe Perfeito ludibriou os seus homólogos Católicos de Sevilha. Aliás, diz-se que, das negociações, uma e outra parte acreditou que tinha enganado/ /engañado o lado contrário. Contudo, hoje, o mais certo será pensar que terá havido um empate — um me(ri)diano empate geopolítico.
Quando Colombo regressa da sua segunda viagem (realizou quatro) diz que não existem terras entre as Canárias e o território que descobriu, a América Central (a Ásia, continuava ele a crer). Assim sendo, os Reis Fernando e Isabel sentem-se salvaguardados, não há terra firme entre Cabo Verde e as 370 léguas, acreditam; logo, o que Colombo descobriu e viesse a descobrir para além daquela ‘fronteira’ seria castelhano e aragonês. Por seu lado, D. João II percebe que não vale a pena pedir mais, porque já tem garantido o espaço de navegação suficiente para os navios lusos chegarem à Índia, à Ásia, às especiarias (estas que até então eram, na Europa, monopólio quase exclusivo da ‘Sereníssima’ (Veneza).
Entende-se hoje em dia que o Tratado de Tordesilhas de há cinco centúrias, foi um marco definidor de domínios (geografias de influência, hoje) de navegação e territoriais ultramarinos («…d’Aquém e d’Além mar, da conquista e do comércio…»), e, consequentemente comerciais, acordado entre as duas maiores potências marítimas e navegantes da Europa. Foi o primeiro, e único, convénio ‘mundial’ (global, dir-se-ia hoje) assinado pelos monarcas de, apenas, dois reinos, os quais e pelo qual estabeleceram para si mesmos, para os seus reinos, um plano, o Tratado, de geoestratégia e geopolítica(s) global.
Eram outros os Tempos, e as realidades também. Outros os personagens, personalidades outras. É a História, a sociologia maior do Homem.
Valerá a pena acrescentar ainda que o Tratado de Tordesilhas foi ratificado, que o mesmo é dizer validado para toda a Cristandade, posteriormente, em 1506, já o nosso Príncipe-rei havia falecido, firmado pelo papa-soldado de seu nome batismal Giuliano Della Rovere, o sucessor en la silla mayor del Vaticano do aragonês de Borja: Júlio II, o ´novel’ Papa (notável e memorável na cattedrale enquanto ‘mecenas´ da arte da Renascença).
(Nota à margem: certo rei de França, (Francisco I), coetâneo do sancionamento papal do acordado en Tordesillas, terá ‘resmungado’, comentando que não teria lido bem o testamento de Adão, o da Bíblia, claro).