Desenho gráfico – Marta Pichel
Autor do conto – Neftali da Costa Fonseca
Esta é a verdadeira história dos homens daquela terra que bem se podia chamar “Freguesia dos Atolambados”.
Naquela terra resolveram construir uma azenha no cimo de um monte. Esta foi a resolução do homem mais velho, que os outros logo acataram.
E viu-se então o espectáculo de os habitantes da freguesia em bicha irem de cântaro à cabeça a levar água para encher o açude no cimo da serra…
De outra vez, resolveram arrebentar granito para a construção de uma capela. E como não houvesse pólvora nas redondezas resolveram carregar carros com ovos e passá-los por cima de uma rocha, para com o peso fazer esmagar a pedra…
Como não conseguiram haver pedra desta maneira, resolveram ir a outra freguesia uma noite roubar a capela.
Levaram todas as juntas de bois e amarraram-nas à capela com cordas. Depois tocaram o gado. Mas a capela la ficou e nada conseguiram se não arrebentar com as cordas e alguns bois…
Uma vez houve grossa gritaria e alarido na freguesia. Tinha sido a filha do regedor que meteu as mãos ambas no pote das azeitonas. Para dentro bem elas foram, mas para fora, cheias, é que não passavam.
E a rapariga aflita berrava que nem cabra montês.
Juntou-se muita gente e o mais esperto aconselhou então cortarem as mãos a rapariga com uma machada.
Já esta ia no ar para descarregar, quando apareceu um viajante, rapaz de bela figura, que aconselhou a moça a abrir as mãos e deixar cair as azeitonas para dentro do pote.
Fez-se grande festa e a rapariga foi dada em casamento ao moço.
Como já andassem cansadas de acarretar tanta água para cima do monte, resolveu o regedor que se construísse um moinho de vento, para toda a freguesia.
E para ninguém se cansar a subir e a descer o monte, ficou decidido fazê-lo ali no vale onde era a aldeia.
E todos os dias, daí em diante, eram escalado cinquenta habitantes para soprarem as velas do moinho, afim de que não faltasse farinha.
Também é deles que se conta que quiseram tirar a lua do fundo de um poço com agua numa noite de luar. Morreram uns poucos afogados, porque para chegar ao fundo do poço fizeram uma cadeia em que o primeiro foi de cabeça para baixo, o segundo se prenderam com os braços às pernas do primeiro. O terceiro, os braços às pernas do segundo, etc. Às tantas catrapus, e lá se foi a lua e eles lá ficaram.
De uma outra ocasião sucedeu que numa noite de inverno os criados de um lavrado dormiram todos juntos para ser mais quente. Mas de manhã, às tantas, queriam levantar-se e não podiam porque tinham as pernas misturadas e que cada um não sabia das suas pernas, não se podendo assim levantar. E faziam grande alarido, O patrão estava aflitíssimo, preparando-se para ir já chamar o barbeiro a ver o que ele receitava. Mas como ia passando um amolador de tesoiras àquela hora, o homem resolveu logo ali o problema. Pegou numa sovela que trazia na caixa de ferramenta e foi-se à cama onde dormiam os criados, e pronto: toca a espetar a torto e a direito. E os brutamontes vá de pularem aos saltos, já com as pernas destrocadas…
O lavrador deu logo um vitelo ao amolador. Este foi-se todo contente. Já ia a virar uma esquina quando um dos que tinha estado a berrar com as pernas trocadas, apareceu a chamá-lo.
– Venha cá, venha cá, que o meu patrão mandou quebrar toda a louça de barro da cozinha para vossemecê lhe deitar gatos. Vai ter que fazer para uma semana. Vossemecê é um grande homem e o patrão quis recompensá-lo ainda mais com esse serviço…
De outra vez, um dos da tal aldeia teve que ir à aldeia que ali ficava logo pegada. Tinha de atravessar um ribeirito onde havia um pontão de madeira muito estreito onde só cabia uma pessoa de cada vez a passar.
Ora nesse dia o homem ao entrar no pontão onde ia passar a primeira vez na vida, pois nunca saíra da aldeia dos atolambados há mais de quarenta anos, que era a sua idade, viu do lado de lá do pontão um lagarto verde que estava consolado ao sol, estiraçado a toda a largura do pontão. O homem ficou muito atrapalhado sem saber o que fazer.
Já coçava a cabeça e pensava até em voltar para trás, porque se convenceu que o lagarto estava ali de guarda para não deixar passar ninguém na ponte. Por fim, teve uma ideia luminosa, e sacando da bolsita do dinheiro, berrou:
– Ó senhor da capa verde, deixe-me passar que eu dou-lhe cinco tostões!
Ora o lagarto se estava a dormir consolado ao sol, a dormir ficou depois da oferta.
O nosso homem julgou que o senhor da capa verde achava pouco o que lhe oferecia e ofereceu para deixar passar dez tostões.
O lagarto, moita!
Até que por fim, depois de várias ofertas, resolveu oferecer a bolsa toda do dinheiro.
Nem mesmo assim o lagarto se moveu…regalado ao sol e a sonhar com moscas e outras paparocas de lagarto. E o homem, sem mais que oferecer lá voltou triste para casa a contar à mulher e aos filhos que na ponte estava um Sr. de capa verde que o não deixou atravessar mesmo depois de lhe oferecer todo o dinheiro que levava…
A mulher deu-lhe logo razão, que quem não pode não é a mais obrigado, que o tal Sr. de capa verde bem havia de ver que lhe ofereceu todo o dinheiro, paciência que outro desse mais, nanja eles que eram pobres mas honrados.
De outra vez um ricaço andava a regar uma horta de feijões e com uma lousa do telhado ia talhando a água para os diversos rêgos a partir do rêgo principal.
Como certa altura a telha se partisse, o homem não esteve com meias medidas e remediou logo a falta que lhe fazia: mandou o moço a casa buscar a toda a pressa um presunto à salgadeira para servir no lugar da lasca de xisto que tinha acabado de partir.
O tal que não sabia como havia de acordar os moços um dia que dormiram juntos, resolveu certa vez ir à caça aos gafanhotos que lhe devastavam os campos.
E de espingarda ao ombro lá foi ele com o filho mais novo depois de terem feito a seguinte combinação: o filho, como o pai já estava um pouco falho de vista, iria à frente e assim que visse um gafanhoto começava a assobiar e indicava com o dedo o sítio onde o insecto se encontrava. Então o pai desfechava um tiro e pronto, do gafanhoto nem a poeira se via… Assim, foram dando caça a alguns gafanhotos.
A certa altura um dos saltões deu um pulo para o peito do rapaz. Este não esteve com meias medidas: pôs-se a assobiar para o pai e apontar com o dedo o peito onde tinha pousado o gafanhoto. O caçador não quis perder a ocasião de acabar com mais um enfadonho saltão e zás, desfechou a escopeta em pleno peito do filho que ficou logo ali estendido quem nem um carapau. Mas o gafanhoto é que não escapou!
Neftali da Costa Fonseca (1917- 1985). Nasceu em Almeida, Licenciado em Engenharias de Minas pela Universidade do Porto, trabalhou nas minas da Panasqueira e nas minas de carvão de S. Pedro da Cova onde foi Engenheiro Chefe da Exploração do Interior e depois Diretor Técnico até ao seu encerramento. Em 1949 entrou para a Universidade do Porto tendo lecionado na área de Minas, Metalurgia, Mecânica Quântica e Física Nuclear, sendo Professor Extraordinário. Fez várias investigações na área de Geologia e Minas e publicou diversos trabalhos científicos. Escreveu vários contos no outono de 1946 e verão de 1973 publicados em agosto de 2013 pelo filho, Rui Brito da Fonseca, com o título “Estórias de Riba-Côa”.