Mudam-se os tempos…
Etelvina Sousa Ferreira
Nos últimos tempos as férias têm mudado de cara. Aquilo que antes era
sinónimo de malas no carro e crianças excitadas no banco de trás, hoje
assume contornos diferentes. Se antes a família se organizava para longas
viagens de carro, com paragens estratégicas para lanches e jogos de palavras,
hoje as férias podem ser um convite ao abandono das rotinas, mas de uma
forma mais individualizada.
No centro das mudanças encontramos os avós. Ah, os avós! Aqueles seres
que, em outros tempos, foram guardiões das crianças durante as férias dos
pais. Enquanto os filhos desfrutavam de um tempo a sós ou de uma viagem
mais longa, as crianças ficavam com os avós, que com paciência infinita, entre
histórias e mimos, mantinham o equilíbrio da vida familiar. Era quase um rito de
passagem, tanto para os netos quanto para os avós, que se tornavam, por
alguns dias, os reis e rainhas das suas próprias pequenas cortes.
Mas os tempos mudaram, e com eles, os papéis dentro da família. Os avós,
agora aposentados, já não são aqueles que cuidam das crianças. Não, eles
passaram a cuidar dos membros mais novos da família – os de quatro patas.
Sim, os avós transformaram-se nos guardiões dos animais domésticos,
enquanto os filhos viajam para destinos longínquos ou simplesmente se retiram
para descansar.
Se antes os avós preparavam um quarto extra para os netos, agora preparam
um espaço no quintal ou na sala para o cão, o gato ou até o coelho da família,
sem esquecer o periquito ou o peixe. As malas que chegam às suas casas
estão cheias de brinquedos de borracha, comedouros, arranhadores e listas
detalhadas de cuidados com os “pets”. A rotina dos avós é rapidamente
povoada por passeios matinais e outros cuidados, e a missão de garantir que
os animais recebam toda a tenção e carinho para que não sintam a falta dos
donos.
E quando acontece, por acaso, um problema com qualquer um destes “pets”,
os avós enchem-se de ansiedade e desalento como se de um ser humano
verdadeiramente se tratasse.
Este verão, na sequência desta mudança de hábitos e costumes, tive de ficar
com a responsabilidade de tomar conta de uma cadela e uma gata de um dos
meus filhos. Num desses dias de verão, como tantos outros, abri as janelas
para deixar entrar o ar fresco da manhã. A Xica, uma gata persa de pelo
branco e olhos de boneca estava a postos para a sua rotina que mais não era
que comer, miar docemente a pedir festinhas e esticar-se a dormir. Mas assim
que eu abria a porta da marquise ela passava rapidamente ao quintal para
inspecionar os canteiros das flores e, claro, dar uns saltos ligeiros tentando
apanhar as borboletas. Já me havia habituado a passar os dias com esta
minha nova companheira de pelos sedosos que fora confiada aos meus
cuidados.
Naquela tarde de calor intenso, talvez à hora do pôr do sol, algo diferente
aconteceu. Na tranquilidade do dia talvez alguma coisa tenha chamado a
atenção da Xica, um ruido mais intenso dos passarinhos que fazem ninho na
frondosa árvore que tenho no jardim, um azevinho, ou outra coisa qualquer,
não sei ao certo. O que sei é que já perto do fim do dia dei por falta dela e de
imediato comecei a procurar. Chamei-a como de costume, embora eu
soubesse que ela não respondia pelo nome, esperando vê-la surgir entre os
arbustos. Mas nada, e a minha aflição crescia na medida do tempo que
avançava. Já punha a hipótese de ela ter saltado do telhado da garagem, ao
qual tinha acesso partindo do terraço dos anexos, mas não a avistava na rua.
Veio a noite, a Xica sem aparecer e o sono não queria nada comigo. Às quatro
horas da manhã, eu, como uma alma penada, percorria a rua e os caminhos
que contornam a minha casa agitando uma caixa com comida, mas sem
resultado. O meu coração apertava, apertava e, contrassenso, parecia que ia
explodir! Já não cabia em mim, tal o medo que dele se apoderara, o medo de
que ela estivesse perdida para sempre, ferida, eu sei lá!
Quando o sol finalmente despontou decidi alargar os horizontes da procura e
internar-me num campo de milho que ficava ao fundo do caminho. O campo
era extenso e as espigas de milho sobressaiam daqueles caules altos por onde
eu circulava agitando a caixa da comida, sem nunca desistir, ao mesmo tempo
que a minha voz doce pronunciava o seu nome. A meio do campo comecei a
ouvir um leve miado, pouco percetível, que tentei seguir a todo o custo e, mais
à frente, finalmente encontrei a Xica. Numa pequena clareira a gata,
enroscada, fazia companhia a um gato preto que, por sinal, também era um
belo gatão!
Se fosse comigo talvez eu não tivesse resistido, também, ao atlético e
charmoso companheiro. Afinal tudo estava justificado. Exausta, mas com o
coração leve prometi que nunca mais subestimaria a curiosidade de qualquer
bichana.
É assim que os avós vão descobrindo os prazeres e desprazeres desta nova
vida. As redes sociais estão cheias de selfies com eles e os seus novos
companheiros, e com legendas bem-humoradas. “A tomar conta dos meus
novos netos” – dizem.
Esta é a beleza da adaptação. Os tempos mudam, mas o amor que une as
famílias permanece encontrando novos modos de se expressar. Num mundo
em constante mudança o que importa é que ninguém fique para trás, nem
mesmo os animais, e que todos se sintam amados e cuidados.
Os avós, como sempre, transmitem essa lição, aceitando os novos papeis com
um sorriso e uma paciência que parece não ter limites.
Assim o ciclo, a roda da vida, continua.
Assim se abrem as ” Novas Possibilidades ”
Belo texto!